Habilitação para adoção é foco do segundo dia de conversas da 'Semana da Adoção em Pauta'
Na adoção, há bem mais que a batida do martelo do juiz: por trás de cada criança adotada, há uma equipe. O rosto dessas pessoas e seus dilemas, o público pôde conhecer nesta terça-feira, 23, no segundo dia de conversas da “Semana da Adoção em Pauta” que reuniu psicólogos e assistentes sociais de equipes técnicas de Varas da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Foram discutidas as questões em jogo quando o assunto é encontrar famílias adotivas para crianças e adolescentes abrigados.
Na ocasião, os psicólogos Lindomar Darós, da Vara da Infância e da Juventude de São Gonçalo; Lícia Carvalho Marques, da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital; Marlene Iucksch do Serviço Conveniado com o Tribunal das Crianças de Paris; e as assistentes sociais Ana Lúcia Gomes, da Vara da Infância e da Juventude de Nova Iguaçu; e Miriam de Souza, da 3ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, conversaram sobre o tema “Desafios da habilitação para adoção e da colocação em família substituta”, pondo à mesa as dificuldades enfrentadas para possibilitar que uma família tenha um filho adotivo. O bate-papo foi mediado pelo juiz Daniel Konder, titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso de Valença, no Sul Fluminense.
Em um debate acalorado, critérios para habilitação, adoção tardia, burocracia e devolução foram alguns assuntos abordados pelos profissionais. “Talvez nós devêssemos pensar em que lugar a nossa sociedade coloca o sujeito criança”, apontou como ponto de partida o psicólogo Lindomar Darós. O mestre em psicologia social trouxe à tona a questão da importância de reconhecer a vida pregressa das crianças adotadas. “Acho que se nós conseguirmos trabalhar essas questões com os habilitandos, de que eles precisam se ater à história desse filho e quem sabe, se for possível, olhar nos olhos daquela que pariu o filho que eles serão pais, talvez a gente consiga produzir alguma diferença”, observou.
Acompanhando o raciocínio, a assistente social Ana Lúcia Gomes defendeu desmistificação do filho adotivo. “A noção histórica que temos da adoção é romantizada, ela não é real. É preciso trazer as pessoas interessadas em adotar para essa realidade. Que criança real nós temos? É preciso sair dessa ideia da criança idealizada, porque quanto mais idealizada, mais abstrata essa adoção vai ser”, pontuou.
“No processo de habilitação temos que ficar com as escutas atentas. A questão não é a idealização em si, mas o desejo que sustenta isso, porque quando a idealização se choca com a realidade, quando exercemos a função materna e paterna, o que vai sustentar essa convulsão é o desejo”, contrapôs a psicóloga Lícia Carvalho Marques. Refletindo sobre a adoção do ponto de vista da psicanálise freudiana, ela observou que a vontade de adotar não pode ser reduzida a um desejo filantrópico.
Sobre as famílias que pretendem se habilitar, a assistente social Miriam de Souza acredita que elas precisam estar dispostas a se modificar. “Eu não admito que uma família entre e saia da mesma maneira, depois de passar por um trabalho como esse. Elas precisam pensar para além de seu próprio umbigo”, afirmou a profissional que atua na 3ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.
Um olhar estrangeiro
Na França, poucas crianças são adotadas, já que a Justiça prioriza a manutenção do vínculo com a família biológica. Para as famílias que estão no processo de adoção, nove meses costuma ser o tempo de espera até estarem junto a seu filho adotivo. Foi o que explicou a psicóloga, Marlene Iucksch do Serviço Conveniado com o Tribunal das Crianças de Paris que mostrou os contrastes entre a adoção brasileira e a francesa. Entretanto, mesmo trazendo um olhar de fora, ela destacou uma questão que parece ser universal. “A criança que entra no mercado é a criança imaginária, não a criança real. É a criança a qual se sonha”, refletiu.
RC/JM
Foto: Brunno Dantas/TJRJ
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.