15 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Partes
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro
Quinta Câmara Cível
1
Apelação Cível nº XXXXX-23.2020.8.19.0023
APELANTE: FRANCISCO DO ESPÍRITO SANTO
APELADA: AMPLA ENERGIA E SERVIÇOS S/A
RELATORA: DESEMBARGADORA DENISE NICOLL SIMÕES
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR.
ENERGIA ELÉTRICA. ALEGAÇÃO DE COBRANÇA
EXCESSIVA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
RECURSO DO AUTOR. Trata-se de ação em que o Autor
afirma ter recebido em novembro de 2020, após a
transferência da titularidade do serviço para seu nome,
fatura com valor não condizentes com o consumo de
energia elétrica habitual em sua residência. Prova
documental que atesta a disparidade entre o valor
cobrado no mês questionado e a média dos meses
anteriores. Concessionária que não comprova a
regularidade da cobrança, ônus que lhe cabia na forma do
art. 373, inciso II do CPC e do § 3º do art. 14 do CDC.
Provimento dos pedidos de refaturamento da conta
impugnada, que observará a média dos seis meses
anteriores, e de devolução em dobro do valor
indevidamente cobrado. Dano moral configurado. A
Concessionária–Ré efetuou cobrança indevida, o que não
pode ser configurado como aborrecimento cotidiano ou
inadimplemento contratual. Valor de R$ 5.000,00 que se
mostra compatível com a hipótese em comento. Reforma
da sentença que se impõe. RECURSO PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos da Apelação Cível nº 002509123.2020.8.19.0023 , ACORDAM os Desembargadores que integram a 5ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, POR UNANIMIDADE DAR PROVIMENTO AO RECURSO , nos termos do voto da Relatora.
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Apelação Cível nº XXXXX-23.2020.8.19.0023
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Autor da sentença que
julgou improcedentes seus pedidos.
O Autor narra, em síntese, que é cliente da Ré no endereço indicado
na inicial, e que, no dia 24/09/2020, se dirigiu a uma de suas agências para solicitar
a transferência da titularidade do serviço do nome de sua companheira para o seu
para que pudesse ter um comprovante de residência.
Relata que, após tal solicitação, recebeu, em novembro/2020, fatura
cobrando valor três vezes maior do que sua média habitual, embora não tenha
ocorrido acréscimo de eletrodomésticos ou mudança na rotina da residência.
Conta que entrou em contato com aa Concessionária para registrar
reclamação, porém a preposta da Ré reiterou a correção da cobrança.
Requer a concessão da gratuidade de justiça; a inversão do ônus da
prova; o refaturamento da conta impugnada para sua média de consumo (160 kWh);
a devolução em dobro do valor pago a maior em novembro/2020; e indenização por
danos morais no valor de R$ 10.000,00.
Deferida a gratuidade de justiça na decisão index 00029.
Contestação (índex 00042) na qual a Ré sustenta, em síntese, que as
cobranças impugnadas estão corretas e refletem o efetivo consumo de energia
elétrica da unidade, sendo descabida a revisão das faturas e devolução de valores
pagos.
Aduz que o aumento ocorre no período sazonal, contando ainda com a
vigência das bandeiras tarifárias e elevação de tributos, acrescentando que diversos
fatores podem contribuir para tal oscilação, tais como número de pessoas e de
eletrodomésticos, fuga de energia etc.
Defende que o eventual descumprimento contratual não é capaz de
ensejar dano moral, refutando o pedido de indenização.
Réplica index 00110.
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Instadas as partes, somente a Ré informou não ter mais provas a
produzir (index 00121) e o Autor pugnou pela inversão do ônus da prova e pela
prova pericial (index 00174).
Decisão indeferindo a prova pericial nos seguintes termos (index
00178):
“Considerando que o relatório de consumo apresenta
variações pontuais, bem como o informe de não ter
havido o reparo no medidor, reconheço que a perícia
torna-se inócua, razão pela qual a indefiro. Intimem-se.
Com a preclusão, voltem conclusos para sentença.”
O Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Itaboraí prolata sentença, da
qual se destacam os seguintes trechos (índex 00186):
“[...] O ponto central a ser examinado diz respeito à
suposta abusividade da cobrança de consumo excessivo
referente ao período de NOVEMBRO DE 2020.
[...]
A prova pericial fora afastada, pois seria inútil ao caso,
eis que o histórico de consumo, de fl. 122, não
questionado pelo autor, revela que os registros de todos
os meses, a partir do MÊS IMPUGNADO, até a data de
sua juntada, estão com cobranças na mesma média,
inclusive similar ao período anterior à fatura impugnada,
como se vê dos documentos juntados à inicial.
Depreende-se, ainda, que não houve troca do medidor,
razão pela qual se conclui pela inexistência de falha na
prestação dos serviços. Inverrosímil a alegação de que
houve cobrança excessiva em único mês por mesmo
equipamento que fora responsável por todos os meses
seguintes e anteriores ao evento, observando a mesma
média.
[...]
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Apelação Cível nº XXXXX-23.2020.8.19.0023
No caso houve apenas alegação genérica de
irregularidade, afastada com exame da própria
documentação que envolve a unidade e a constatação de
que não houve manutenção ou substituição do medidor.
[...]
Posto isso, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos, com
exame do mérito, na forma do art. 487, I, do CPC,
revogando a antecipação de tutela.
Condeno a parte a parte autora nas custas processuais e
honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa,
observando a JG. [...]”
Apelação do Autor (índex 00198), alegando que houve cerceamento de
defesa, pois não lhe foi concedida oportunidade de produção de prova pericial, não
obstante tenha requerido tanto na inicial quanto na réplica.
Alega que o ônus de provar que o aumento excessivo está correto
recai sobre quem possui meios técnicos de realizar tal aferição, tendo a sentença
violado os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
No mais, reitera os argumentos da inicial, requerendo a anulação da
sentença, com o retorno dos autos ao juízo de origem para realização da prova
pericial e, caso não seja esse o entendimento, pugna pela reforma da sentença com
a procedência de seus pedidos.
Contrarrazões no index 00215.
VOTO
Em juízo de admissibilidade, reconheço a presença dos requisitos
extrínsecos e intrínsecos, imprescindíveis à interposição do recurso.
Trata-se de ação em que o Autor afirma que, após a transferência da
titularidade do serviço, recebeu fatura de cobrança do serviço prestado pela Ré em
valor muito superior à sua média de consumo.
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A sentença julgou improcedentes os pedidos, sob o fundamento de que
o medidor instalado na residência do Autor teria registrado “consumo padronizado”.
A questão trazida a julgamento evidencia uma relação de consumo nos
moldes dos artigos 2º e 3º do CDC motivo pelo qual, a demanda será julgada
consoante os princípios e normas do Código de Defesa e Proteção ao Consumidor.
De início, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa, uma vez que,
a realização da prova pericial é dispensável no caso concreto, como se verá adiante.
No mérito, assiste razão à Recorrente.
Do cotejo dos autos, verifica-se que o Autor acostou à inicial fatura de
energia elétrica cujo débito questiona, na qual é possível verificar que, em
novembro/2020, a cobrança pelo consumo (499 kWh) foi faturada em valor
relativamente superior às dos meses que a antecederam, como 176 kWh em julho;
158 kWh em agosto; 194 kWh em setembro, apenas para citar os dos meses mais
próximos.
Com efeito, verifica-se que o consumo desse mês foi cobrado em
montante muito discrepante da média da unidade e com aquela apresentada no
período anterior à cobrança elevada, sendo certo que a Ré não comprovou que, nos
meses seguintes a cobrança permaneceu nesse patamar mais elevado, não tendo
sequer acostado aos autos relatório com o consumo da unidade.
Há de se mencionar que a Concessionária tinha condições de
comprovar a legitimidade da cobrança, o que não ocorreu, pois não pugnou pela
prova pericial, prova essa imprescindível ao deslinde da questão apreciada.
Constata-se que a Concessionária-ré apenas limitou-se a afirmar a
legitimidade da cobrança, porém não comprova tal alegação, ônus que lhe cabia ,
na forma do art. 373, inciso II do CPC.
Dessa forma, forçoso concluir pela irregularidade da cobrança no mês
impugnado, impondo-se a condenação da Ré ao seu refaturamento com base na
média dos seis meses anteriores à cobrança indevida, bem como o acolhimento do
pedido de devolução em dobro do valor cobrado (doc. Index 00025), a teor do que
dispõe o parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.
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Nessa linha de raciocínio, verifica-se que incontroversa a falha na
prestação do serviço pela Ré, consubstanciada na emissão de fatura de consumo
em valor indevido, submetendo o Apelado a uma indiscutível condição de
impotência, é, pois, inequívoco que tal situação extrapolou o mero aborrecimento
cotidiano.
A quebra da legítima expectativa quanto à correção e à qualidade da
prestação do serviço ultrapassa o inadimplemento contratual, constituindo violação
da lei e ofensa aos princípios da bo -fé objetiva, da segurança e da confiança,
configurando dano moral por violação do direito da personalidade.
Incide, pois, o dever de reparar. Entendo que verba compensatória no
montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) atende aos princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade, adequando-se às peculiaridades do presente caso, refletindo
o caráter punitivo-pedagógico balizador da reparação.
Nesse mesmo sentido:
“XXXXX-71.2015.8.19.0075 – APELAÇÃO - Des (a).
WILSON DO NASCIMENTO REIS - Julgamento:
14/05/2020 - VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL -APELAÇÃO. CONSUMIDOR. OBRIGAÇÃO DE FAZER
C/C INDENIZATÓRIA. FORNECIMENTO DE ENERGIA
ELÉTRICA. DISCUSSÃO ACERCA DA LEGALIDADE DA
COBRANÇA, SOB O ARGUMENTO DE SE
APRESENTAR EXCESSIVA, SE COMPARADA COM A
MÉDIA DE CONSUMO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA
PARCIAL PARA CONDENAR A CONCESSIONÁRIA RÉ
A DEVOLVER VALORES PAGOS EM EXCESSO.
DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS, SOB O
FUNDAMENTO DE AUSÊNCIA DE SUSPENSÃO DO
SERVIÇO E DE INEXISTÊNCIA DE NEGATIVAÇÃO DO
NOME DA AUTORA NOS CADASTROS RESTRITIVOS
DE CRÉDITO. AUTORA QUE REQUER A REFORMA DA
SENTENÇA PARA QUE A RÉ SEJA CONDENADA A
UMA INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS.
TENTATIVA INFRUTÍFERA DE SOLUCIONAR A
QUESTÃO ADMINISTRATIVAMENTE.
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DEMONSTRAÇÃO DO DESVIO PRODUTIVO DO
CONSUMIDOR. DANO MORAL CARACTERIZADO.
VERBA QUE SE FIXA EM R$ 5.000,00. SENTENÇA QUE
SE REFORMA EM PARTE. 1. Cinge-se a controvérsia
recursal apenas em verificar a existência de dano moral
em razão da conduta da concessionária ré, resultante da
cobrança excessiva, dissonante do consumo habitual da
unidade consumidora da demandante. 2. A abusividade
da conduta ao cobrar do consumidor por consumo
estimado e não comprovado a partir de maio de 2015 é
fato incontroverso. 3. Restou constatado por meio do
laudo pericial produzido por expert do juízo que houve
inversão de shunts entre a residência da autora e uma
das residências vizinhas à mesma, o que recomendaria o
refaturamento de todas as contas desde o mês de maio
de 2015, quando fora observada a substituição. 4. Nesse
cenário, o magistrado a quo, julgou procedente em parte o
pedido para condenar a ré a devolver à parte autora os
valores pagos em excesso. Contudo, julgou improcedente
o pedido de danos morais, sob o fundamento de que não
houve a suspensão do fornecimento de energia elétrica,
tampouco de que haveria prova de inclusão do nome da
parte autora nos cadastros de restrição ao crédito. 5.
Irresignação exclusiva da parte autora. Em que pese não
ter havido negativação do nome da parte autora, nem
corte no fornecimento de energia, a recalcitrância da ré
em resolver a questão, administrativamente, acarretou
perda de tempo útil da demandante para a solução do
impasse, ultrapassando o mero aborrecimento. 6. No que
diz respeito ao referido tema, é entendimento deste Órgão
Fracionário que a compensação por dano moral não é
devida quando não houver a comprovação de
negativação indevida. 7. Entretanto, aplicável à hipótese a
Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, segundo a
qual o fato de o consumidor ser exposto à perda de tempo
na tentativa de solucionar amigavelmente um problema de
responsabilidade do fornecedor e, apenas posteriormente,
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descobrir que só obterá uma solução pela via judicial,
consiste em lesão extrapatrimonial. 8. Necessidade do
ajuizamento da ação para que o direito da autora fosse
respeitado. 9. Além disso, não se pode olvidar do
sentimento de apreensão e impotência da autora, que foi
compelida a buscar judicialmente a solução de algo que
poderia ter sido facilmente resolvido na esfera
administrativa, sem que houvesse necessidade de
reconhecimento judicial prévio de clara falha do
fornecedor, tudo a extrapolar o limite das vicissitudes
ínsitas à vida de relação. 10. Consumidora que gastou o
seu tempo vital, atributo da personalidade, em razão da
prática abusiva da fornecedora e do evento danoso dela
resultante. 11. No que diz respeito ao quantum
compensatório do dano moral, devem ser observados os
princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da
vedação ao enriquecimento sem causa. 12. Nessa senda,
tem-se que o montante indenizatório de R$ 5.000,00
(cinco mil reais), ora fixado, respeita os parâmetros da
razoabilidade e da proporcionalidade, se adequando ao
caso concreto. RECURSO AO QUAL SE DÁ
PROVIMENTO.”
Por fim, com o acolhimento do recurso, invertidos os ônus
sucumbenciais, cabendo à Ré o pagamento das custas processuais e dos
honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor do proveito econômico, que
na hipótese corresponde ao valor do débito cancelado de R$ 564,26 mais o valor da
condenação em danos morais de R$ 5.000,00.
Diante do exposto, VOTO NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO AO
RECURSO, para determinar o refaturamento da fatura com vencimento em
19/11/2020 com base na média dos seis meses anteriores, cancelando o débito
de R$ 564,26 a ela relacionado, bem como para condenar a Ré à devolução em
dobro do valor pago, corrigido a contar do pagamento e com juros de mora de
1% ao mês a partir da citação, e ao pagamento de indenização por danos
morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sobre o qual incidirão
correção monetária a contar desta data e juros de mora de 1% ao mês a contar
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da citação, condenando-a ainda ao pagamento de custas processuais e
honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o proveito econômico obtido.
Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2021.
Desembargadora DENISE NICOLL SIMÕES
Relatora