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Inteiro Teor
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro
GAB. DES. KATYA MARIA DE PAULA MENEZES MONNERAT ÓRGÃO ESPECIAL
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 004677255.2019.8.19.0000
REPRESENTANTE: EXMO. DR. PROCURADOR-GERAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
REPRESENTADO: EXMO. SR. PREFEITO DA CÂMARA
MUNICIPAL DE NOVA IGUAÇU
REPRESENTADO: CÂMARA MUNICIPAL DE NOVA IGUAÇU
ACÓRDÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
Legislação impugnada: Lei Complementar nº 53, de
04 de abril de 2017, do Município de Nova Iguaçu,
precisamente: das expressões “financeira” contida no inciso I e “e realização de campanhas de saúde pública” contida no inciso II, e dos incisos II, IV, V
e VII, todos do § 1º, do artigo 2º; artigo 4º e artigo 13 .
A norma impugnada padece de inconstitucionalidade formal e material, ao tratar de matéria de competência
privativa da União - defesa civil, bem como ao
considerar obrigações próprias e essências da
administração municipal como justificativa para
contratação temporária de excepcional interesse público ou ao alargar o conceito de calamidade pública. A expressão “calamidade financeira” foge ao conceito de calamidade pública como caso fortuito, de situação anormal provocada por desastres que causem
comprometimento à capacidade de resposta do poder
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público do ente atingido, dado pelo artigo 2º, IV, do Decreto nº 7.257/2010.
A visão restritiva do conceito de contratação temporária, que veda a contratação temporária para
desempenho de atividades ordinárias, permanentes e usuais da administração, é a que mais se alinha aos
princípios norteadores da administração pública
elencados nos artigos 77 e 37, das Constituições
Estadual e Federal, sob pena de servir de fraude à
obrigatoriedade do concurso público. Deve o poder
público realizar concurso público para o preenchimento de cargos vagos ou a criação de novos cargos para dar
continuidade ao serviço público/atividade
administrativa, quando necessário. Precedente: RE
658026/MG, em Repercussão geral. Julg. 09/04/2014,
Min. Dias Toffoli.
A norma impugnada não especifica situações fáticas
capazes de justificar a necessidade de contratação de pessoal e nem quais os cargos a serem
temporariamente preenchidos, dando indevida margem
de discricionariedade ao Poder Executivo. E ao elencar
como hipóteses de contratação temporária a realização de campanhas de saúde pública, de obras de saneamento básico, de eventos públicos ou de servidores, devido a falecimento ou aposentaria, foge frontalmente dos parâmetros adotados para definição de uma contratação temporária por necessidade pública, pois as citadas hipóteses encontram-se no espectro de contingências normais, ordinárias e permanentes da administração municipal. Ressalto que a expressão “realização de eventos públicos” é de uma
vagueza sem limites.
E mais, os vencimentos pagos aos servidores, ainda
que por contratação temporária, submete-se a reserva
legal. Significa que só a lei, em sentido formal, pode fixa-los, nos termos do artigo 77, inciso XIII, da Constituição do ERJ, e do artigo 37, incisos II, IX e X,
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da Constituição Federal, aplicado por simetria aos
Municípios na forma do artigo 345 da CERJ. Logo, o
artigo 4º, da lei impugnada ao possibilitar que o Chefe
do Poder Executivo Municipal, mediante decreto, fixe
as remunerações e quantitativo de pessoal, para as
contratações temporárias, viola o princípio da reserva
legal. O artigo 13 ao autorizar ao Chefe do Executivo Municipal abrir créditos orçamentários necessários à execução do disposto na lei, confronta frontalmente com o § 3º, do artigo 211, da Constituição do estado do Rio de Janeiro; e com o disposto no § 3º, do artigo 167,
da Constituição da República, que restringe a abertura
de crédito extraordinário para atender a despesas
imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.
PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO para
declarar inconstitucional, com eficácia ex-tunc, as
expressões “financeira” contida no inciso I e “e
realização de campanhas de saúde pública” contida no inciso II, e dos incisos III, IV, V e VII, todos do
§ 1º, do artigo 2º; artigo 4º e artigo 13, todos da Lei
Complementar nº 53, de 04 de abril de 2017, do
Município de Nova Iguaçu, por conflitarem com os
preceitos inscritos nos artigos 77, caput, I; X, XI e XIII; com as do artigo 211, § 3º da Constituição do
Estado do Rio de Janeiro; artigo 37, inciso X; e
artigo 167, § 3º, da Constituição da República.
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Vistos, relatados e discutidos estes autos da Representação de Inconstitucionalidade nº. 0046772-55.2019.8.19.0000, em que é Representante Exmo. Dr. Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e Representados Exmo. Sr. Prefeito da Câmara Municipal de
Nova Iguaçu e Câmara Municipal de Nova Iguaçu.
ACORDAM os Desembargadores que compõem o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria de votos, em julgar procedente a Representação para declarar a inconstitucionalidade, com eficácia ex-tunc, das expressões
“financeira” contida no inciso I e “e realização de campanhas de saúde pública” contida no inciso II, e dos incisos III, IV, V e VII, todos do
§ 1º, do artigo 2º; artigo 4º e artigo 13, todos da Lei Complementar nº
53, de 04 de abril de 2017, do Município de Nova Iguaçu, por conflitarem com os preceitos inscritos nos artigos 77, caput, I; X, XI e XIII; com as do artigo 211, § 3º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro; artigo 37, inciso X; e artigo 167, § 3º, da Constituição da
República, nos termos do voto da Desembargadora Relatora, vencido o Desembargador Nagib Slaibi Filho.
Rio de Janeiro, 14 setembro de 2020
Des. Katya Maria de Paula Menezes Monnerat
Relatora
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RELATÓRIO
A Representação por Inconstitucionalidade proposta pelo Exmo. Dr. Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sem
pedido liminar, das expressões “financeira” contida no inciso I e “e realização de campanhas de saúde pública” contida no inciso II, e dos
incisos III, IV, V e VII, todos do § 1º, do artigo 2º; artigo 4º e artigo 13,
todos da Lei Complementar nº 53, de 04 de abril de 2017, do Município de Nova Iguaçu, por conflitarem com os preceitos inscritos nos artigos 5º; 9º;
caput; 16; 25; 77, caput e incisos II e XI; 211, § 3º e 358, incisos I e II,
todos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
Em síntese, sustenta que os dispositivos impugnados padecem
de vício de iniciativa, por invadirem a competência privativa da União para legislar sobre defesa civil e mobilização nacional, e pacto federativo, ao ampliar o sentido de calamidade pública dado pelo legislador nacional. A
expressão “calamidade financeira?” foge ao conceito de calamidade pública como caso fortuito, de situação anormal provocada por desastres
que causem comprometimento à capacidade de resposta do poder público do ente atingido, dado pelo artigo 2º, IV, do Decreto nº 7.257/2010.
A inconstitucionalidade da decretação de calamidade financeira já foi reconhecida pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça
nas RI nºs 0062226-46.2017.8.19.0000 e 0062238-60.2017.8.19.0000.
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necessidade temporária de excepcional interesse público, pois os
dispositivos impugnados não especificam situações fáticas de excepcional
interesse público que justifiquem a contratação por prazo determinado. Não se enquadrando como situação excepcional “calamidade financeira” ou
“realização de campanha de saúde pública”. Assim como não representa situação excepcional as hipóteses previstas nos incisos III, IV, V e VII,
todos do § 1º, do artigo 2º, seja por representar dever essencial do poder
público – saneamento básico ou por não caracterizarem situações
excepcionais justificadoras de contratação temporária, como a realização de
eventos públicos e a substituição de servidores, além de não especificarem
os cargos sujeitos à tal exceção.
Acrescenta ausência de especificação justificada da abertura de créditos orçamentários, violando o artigo 211, § 3º, da CERJ c/c artigo 167,
§ 3º, da Constituição Federal, bem como violação aos princípios da
legalidade, da moralidade administrativo, interesse público,
impessoalidade, publicidade, eficiência e do concurso público previstos no artigo 77, I da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e II c/c
artigo 37, caput, e inciso II, da Constituição Federal.
Apenas na 8ª (oitava) tentativa, em 10/03/2020, se conseguiu
notificar o Prefeito de Nova Iguaçu – pastas 50, 55 e 88, mas quedou-se inerte, conforme certidão de pasta 90.
A Câmara de Nova Iguaçu defendeu as normas impugnadas,
ante a grave crise econômica e financeira do Município, inviabilizando a
realização de concurso público para provimento de inúmeros cargos
efetivos vagos, por aposentadoria ou falecimento dos servidores. A norma
RI nº 46772-55.2019.8.19.0000 pg.6
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busca evitar a paralisação do funcionamento da máquina municipal que,
com base na lei, pode celebrar contratos, inclusive já encerrados. Requer a improcedência da Representação – pasta 64.
A Procuradoria de Justiça reitera integralmente os termos de sua peça exordial, pugnando pela procedência do pedido, declarando-se a
inconstitucionalidade das expressões “financeira” e “realização de campanhas de saúde pública”, previstas no § 1º, incisos I e II, do artigo 2º,
dos incisos III, IV,V e VII, do § 1º do artigo 2º, do § 2º do artigo 2º, do
artigo 4º, e do artigo 13, todos da Lei Complementar 053/2017, do
Município de Nova Iguaçu, com eficácia ex tunc e efeitos erga omnes –
pasta 92.
Passa-se a decidir:
O Procurador-Geral De Justiça Do Estado Do Rio De Janeiro
propôs a representação direta de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a, do inciso IV, do artigo 161, da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro 1 e artigo 104 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça 2 , das
expressões “financeira” contida no inciso I e “e realização de campanhas de saúde pública” contida no inciso II, e dos incisos III, IV, V e VII, todos do
1 Art. 161 - Compete ao Tribunal de Justiça :
[...]
IV - processar e julgar originariamente :
a) a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, estadual ou municipal, em face
da Constituição Estadual ;
2 Art. 104- A petição inicial da representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
estadual ou municipal em face da Constituição do Estado do Rio de Janeiro , acompanhada de
procuração quando subscrita por advogado, será dirigida ao Presidente do Tribunal em duas vias
instruídas com cópias do ato impugnado e dos documentos necessários, (...):
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§ 1º, do artigo 2º; artigo 4º e artigo 13, todos da Lei Complementar nº 53, de
04 de abril de 2017, do Município de Nova Iguaçu, por conflitarem com os
preceitos inscritos nos artigos 5º; 9º; caput; 16; 25; 77, caput e incisos II e
XI; 211, § 3º e 358, incisos I e II, todos da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro.
Eis os dispositivos legais da Lei Complementar nº 53, de 04 de
abril de 2017, do Município de Nova Iguaçu impugnados:
DISPÕE SOBRE A CONTRATAÇÃO
TEMPORÁRIA POR EXCEPCIONAL
INTERESSE PÚBLICO, CONFORME O
ART. 37, IX, CRFB/88, NO ÂMBITO DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL
E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
A CÂMARA MUNICIPAL DE NOVA IGUAÇU, POR SEUS
REPRESENTANTES LEGAIS DECRETA E EU SANCIONO
A SEGUINTE LEI COMPLEMENTAR:
[...]
Art. 2º Para efeitos desta Lei considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público aquela que, tendo duração determinada ou previsível, não possa ser satisfeita pela
Administração com os recursos de pessoal disponíveis no momento de sua ocorrência.
§ 1º Caracterizam-se como necessidade temporária de excepcional interesse público as seguintes hipóteses:
I - assistência a situações de calamidade natural, financeira e ou
sanitária;
II - combate a surtos endêmicos e ou epidêmicos e realização de
campanhas de saúde pública ;
III - realização de obras de saneamento básico, contenção ou melhorias emergenciais ;
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IV - situações de urgência para garantir a realização de
eventos públicos, com duração máxima de até 30 dias ;
V - carência de pessoal em decorrência de afastamento ou
licença de servidores ocupantes de cargos efetivos, quando o
serviço público não puder ser desempenhado a contento com
o quadro remanescente, ficando a duração do contrato
administrativo limitada ao período da licença ou do
afastamento ;
VI - número de servidores efetivos insuficiente para a implantação de órgãos e entes da Administração Direta e Indireta recém-criados e ou para implantação e continuidade
de serviços públicos essenciais, ainda que para atividade
regular e permanente, desde que não haja candidatos
aprovados em concurso público aptos à nomeação ou
aprovados em concurso público, aptos à nomeação, e em
quantitativo suficiente à implantação ou continuidade do
serviço público, ficando a duração dos contratos limitada ao
provimento dos cargos mediante concurso público
subsequente, que deve ser promovido de forma imediata ; e
VII - carência de pessoal para o desempenho de atividades
sazonais ou emergenciais que não justifiquem a criação de
quadro efetivo, a saber :
a) as relacionadas à defesa agropecuária, sanitária e ambiental,
para atendimento de situações de iminente risco à saúde animal,
vegetal ou humana;
b) as desenvolvidas no âmbito de projetos específicos de defesa
do meio ambiente;
c) as decorrentes de aumento desproporcional da demanda por
serviços de educação, saúde, assistência social;
d) as amparadas por técnicas especializadas, no âmbito de projetos de cooperação com prazo determinado, implementados
mediante acordos internacionais, termos de colaboração e de fomento, acordos de cooperação, convênios, desde que haja, em
seu desempenho, subordinação do contratado a órgão ou ente público;
e) as que utilizem técnicas especializadas de tecnologia da
informação, de comunicação e de revisão de processos de
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trabalho que se caracterizem como projetos específicos criados
por prazo determinado;
f) as que tenham por objeto a realização de temporadas artísticas
e culturais.
[...]
§ 2º Para fins do Inciso VI deste artigo, consideram-se serviços
públicos essenciais aqueles que sejam desenvolvidos nas áreas de saúde, defesa civil, educação, ordem pública, segurança pública,
obras públicas, infraestrutura, mobilidade urbana, assistência à infância, à adolescência e à terceira idade, assistência social,
direitos humanos, habitação, meio ambiente, gestão pública.
[...]
Art. 4º Caberá à Chefia do Poder Executivo fixar as tabelas
de remuneração e quantitativo para as contratações
autorizadas por esta lei .
§ 1º A fixação das tabelas de remuneração e do quantitativo de contratados observará os arts. 15, 16, 17 e 21 da Lei
Complementar Federal 101/2000.
§ 2º É vedada a contratação para desempenho de função correspondente às atribuições privativas de Auditor Fiscal do Tesouro Municipal, prevista na Lei Municipal 3.720/2005, e de Procurador do Município, prevista na Lei Complementar
12/2005.
[...]
Art. 13 Fica o Poder Executivo autorizado a abrir os créditos
orçamentários necessários à execução do disposto nesta Lei,
bem como a expedir atos normativos visando à
regulamentação desta Lei .
Art. 14 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário, em especial a lei
4.258/2013.
A norma impugnada padece de inconstitucionalidade formal e
material, ao tratar de matéria de competência exclusiva e privativa da
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União, bem como ao considerar obrigações próprias e essenciais da administração municipal, como justificativa para contratação temporária de excepcional interesse público, ou ao alargar o conceito de calamidade pública.
A Constituição da República em seu artigo 37, inciso IX, deixa
a cargo do legislador ordinário estabelecer as hipóteses de contratação temporária pelo Administrador Público 3 , prevendo a exceção à regra do
concurso público – artigo 37, inciso II, da, a mesma carta. E são os
dispositivos reproduzidos no artigo 77, incisos I e XI, da Constituição do
Estado do Rio de Janeiro 4 .
Há duas vertentes sobre o que deva ser considerado “temporariedade” para contratação por interesse público. A posição mais
restritiva, veda a contratação temporária, para o desempenho de atividades
ordinárias, permanentes e usuais da administração, devendo o poder
público realizar concurso público para o preenchimento de cargos vagos,
ou a criação de novos cargos, para dar continuidade ao serviço
público/atividade administrativa, quando necessário. A posição mais
3 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela EC 19/1998)
[...]
IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público;
4 Art. 77 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado e
dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
interesse coletivo e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos
estabelecidos em lei;
[..]
XI - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade
temporária de excepcional interesse público;
RI nº 46772-55.2019.8.19.0000 pg.11
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ampliativa possibilita a contratação de pessoal para o desempenho de
atividades permanentes em observância ao princípio da continuidade do
serviço público, por não haver tempo hábil para realizar o concurso, e, em
caráter provisório, em respeito à acessibilidade de cargo, emprego ou
função pública mediante concurso público.
A visão restritiva do conceito de contratação temporária é a
que mais se alinha aos princípios norteadores da administração pública,
elencados nos artigos 77 e 37, das Constituições Estadual e Federal, sob
pena de servir de fraude à obrigatoriedade do concurso público.
Este é o entendimento adotado pelo Supremo tribunal Federal:
Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida . Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da
Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema,
que dele conheceu. Contratação temporária por tempo
determinado para atendimento a necessidade temporária de
excepcional interesse público . Previsão em lei municipal de
atividades ordinárias e regulares . Definição dos conteúdos
jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal.
Descumprimento dos requisitos constitucionais . Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma
municipal . Modulação dos efeitos. 1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art.
37 da Constituição Federal, [d] a constitucionalidade de lei
municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”. 2. Prevalência da regra da
obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As
regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas
restritivamente. 3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa
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forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se
considere válida a contratação temporária, é preciso que : a)
os casos excepcionais estejam previstos em lei ; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária ; d) o interesse público seja excepcional; e) a
necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada
a contratação para os serviços ordinários permanentes do
Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências
normais da Administração . 4. É inconstitucional a lei
municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da
obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem
como objetivo resguardar o cumprimento de princípios
constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência . Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade,
proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a
Constituição Federal. 5. Há que se garantir a instituição do que os
franceses denominam de la culture de gestion, a cultura de gestão (terminologia atualmente ampliada para ‘cultura de gestão estratégica’) que consiste na interiorização de um vetor do progresso, com uma apreensão clara do que é normal, ordinário,
e na concepção de que os atos de administração devem ter a
pretensão de ampliar as potencialidades administrativas, visando à eficácia e à transformação positiva. 6. Dá-se provimento ao
recurso extraordinário para o fim de julgar procedente a ação e declarar a inconstitucionalidade do art. 192, inciso III,
da Lei nº 509/1999 do Município de Bertópolis/MG,
aplicando-se à espécie o efeito ex nunc, a fim de garantir o
cumprimento do princípio da segurança jurídica e o
atendimento do excepcional interesse social. [RE 658026/MG,
em Repercussão geral. Julg. 09/04/2014, Min. Dias Toffoli]
Os incisos V e VI não especificam as situações fáticas capazes
de justificar a necessidade de contratação de pessoal e nem quais os cargos
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a serem temporariamente preenchidos, dando indevida margem de discricionariedade ao Poder Executivo.
E ao elencar como hipóteses de contratação temporária a
realização de campanhas de saúde pública, de obras de saneamento básico,
de eventos públicos ou de servidores, devido a falecimento ou aposentaria,
foge frontalmente dos parâmetros adotados para definição de uma
contratação temporária por necessidade pública, pois as hipóteses citadas
encontram-se no espectro de contingências normais, ordinárias e permanentes da administração municipal.
A realização de obras de saneamento básico, contenção ou
melhorias emergenciais, bem como campanhas de saúde pública são funções próprias e essências do Poder Executivo, seja federal, estadual ou
municipal.
Ressalto que a expressão “realização de eventos públicos” é de uma vagueza sem limites.
A citada lei complementar desvirtua o que se deve entender
por calamidade pública e invade a competência privativa da União prevista
no artigo 22, inciso XXVIII, da Constituição da República para legislar
sobre defesa civil 5 .
5 Art. 22 . Compete privativamente à União legislar sobre:
[...]
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações
públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III; (Redação dada pela EC 19/1998)
XXVIII – defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional;
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O conceito de “calamidade pública” é dado pelo direito administrativo, como sendo a situação de perigo e de anormalidade social
decorrente de fatos da natureza, tais como inundações devastadoras,
vendavais destruidores, epidemias letais, secas assoladoras e outros
eventos físicos flagelantes que afetem profundamente a segurança ou a saúde públicas, os bens particulares, o transporte coletivo, a habitação ou o trabalho em geral 6 .
A Lei Complementar nº 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, ao impor uma série de restrições e exigências ao emprego e direcionamento das finanças públicas, em seu artigo 65, traz a calamidade pública como forma de flexibilização orçamentária. Autorizando, por
exemplo, a suspensão de prazos, de atingimentos de resultados fiscais 7 .
Com base no direito administrativo e na Lei de Responsabilidade Fiscal, o Decreto nº 7.257, de 4 de agosto de 2010, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, em seu artigo 2º, inciso IV, considera calamidade pública a “situação anormal provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público
do ente atingido”.
6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 44ª ed. JusPODIVM /MALHEIROS,
2020, p.277.
7 Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União,
ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:
I - serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts. 23, 31 e 70;
II - serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9o.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput no caso de estado de defesa ou de sítio, decretado na
forma da Constituição.
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O artigo 7º, do mesmo decreto, reafirma a calamidade pública
como estado excepcional decorrente de desastres 8 .
A mesma linha foi adotada pela Lei Geral de Licitações – Lei
nº 8.666/90 para, em seu artigo 24, IV, dispensar a Administração Pública
da obrigatoriedade de licitar 9 .
O estado de calamidade pública está associado ao
direcionamento de finanças, sem dúvida. O que de forma alguma confundese com possíveis problemas com orçamento, carência de recursos, para
atendimento de qualquer serviço público.
Carência de recursos financeiros não se enquadra como estado
de calamidade a justificar a flexibilização das regras de aplicação dos
8 Art. 7 o O reconhecimento da situação de emergência ou do estado de calamidade pública pelo Poder
Executivo federal se dará mediante requerimento do Poder Executivo do Estado, do Distrito Federal ou do Município afetado pelo desastre.
§ 1 O requerimento previsto no caput deverá ser realizado diretamente ao Ministério da Integração Nacional, no prazo máximo de dez dias após a ocorrência do desastre , devendo ser instruído com ato
do respectivo ente federado que decretou a situação de emergência ou o estado de calamidade pública e
conter as seguintes informações:
I - tipo do desastre , de acordo com a codificação de desastres, ameaças e riscos, definida pelo Ministério
da Integração Nacional;
II - data e local do desastre ;
III - descrição da área afetada, das causas e dos efeitos do desastre ;
IV - estimativa de danos humanos, materiais, ambientais e serviços essenciais prejudicados;
V - declaração das medidas e ações em curso, capacidade de atuação e recursos humanos, materiais,
institucionais e financeiros empregados pelo respectivo ente federado para o restabelecimento da
normalidade; e
VI - outras informações disponíveis acerca do desastre e seus efeitos .
9 Art. 24 . É dispensável a licitação:
[...]
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de
atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas,
obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens
necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e
serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e
ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade , vedada a prorrogação dos
respectivos contratos;
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recursos públicos. Este órgão Especial já reconheceu a
inconstitucionalidade de alegada situação de “calamidade financeira”, no
RI nº 0062226-46.2017.8.19.0000, da relatoria da Des. Gizelda Leitão
Teixeira, julgado em 15/10/2018:
“AÇÃO DE REPRESENTAÇÃO POR
INCONSTITUCIONALIDADE. (...) Calamidade pública
decorre de fatos imprevisíveis, incompatível para prover
despesas correntes ; solver a grave situação dos sistemas
penitenciários; pagamento de benefícios ou evitar a suspensão dos serviços de vigilância territorial. A legislação impugnada na presente ação (do Município de Itaguaí) viola os artigos 74,
inciso I e § 1º c/c art. 358, incisos I e II da Constituição Estadual.
O artigo 1º, parágrafo único da lei 3541/2017 (que suspende a
contagem dos prazos e disposições do artigo 23 caput e seus 4
parágrafos; no artigo 31 e no artigo 70, caput, alega respaldo no art. 65 caput da Lei Complementar nº 101/2000 Lei de Responsabilidade Fiscal. Conclui-se que a Lei 3.571/2017 visou
a suspender prazos previstos no artigo 65 da Lei de
Responsabilidade Fiscal, não obstante caber o reconhecimento do estado de calamidade pública à Assembleia Legislativa Estadual
e não às Câmaras Municipais, a teor do artigo 65, caput da Lei de Responsabilidade Fiscal. A legislação aqui impugnada buscava
emprestar à calamidade pública o significado que melhor
atendesse seus interesses, ignorando a competência da
Assembleia Legislativa para fazê-lo: flagrante violação ao princípio de repartição de competência constitucional.
Declarando o estado de calamidade pública, com fulcro no
artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a legislação
impugnada violou o disposto no artigo 213 da Constituição
Estadual, no trecho equivalente, por simetria, ao artigo 169
§§ 3º e 4º da Constituição Federal que estabelecem
providências a serem adotadas para cumprimento dos limites
de despesa com pessoal ativo e inativo dos Municípios . [...] A presente representação visa a assegurar que o Município de
Itaguaí utilize meios de sanar alegada crise financeira dentro
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das determinações fixadas na Constituição Estadual, que limitam a atuação dos poderes constituídos, atentos ao
Princípio de Freios e Contrapesos, cabendo ao Judiciário
assegurar o caráter vinculante. Vedado ao Município, ao argumento de crise financeira, deixá-la perdurar no tempo,
mantendo as despesas que contribuem para o quadro de
crise. A Constituição Estadual e a Lei de Responsabilidade
Fiscal fixam limite máximo para gasto com pessoal, evitandose assim que se gaste menos em outras áreas como
infraestrutura. Não há falar, ao contrário da manifestação da
PGE, que contém o ordenamento jurídico lacuna quanto aos
casos extremos de insuficiência de recursos. Bem evidenciada
nos autos a ausência de circunstâncias que justifiquem a
decretação de estado de calamidade pública e, em
consequência, a suspensão dos prazos definidos no artigo 65
da LRF. As medidas previstas no artigo 169 §§ 3º e 4º da
Constituição Federal são reproduzidos, por simetria, no artigo 213 da Constituição Estadual . Ausente o alegado estado de calamidade e não adotando o Município as medidas
do artigo 1º, § único da Lei 3.541/2017, dita lei viola
dispositivos constitucionais. Mais: o artigo 3º da Lei
3.541/2017 prevê abertura de créditos orçamentários, ao
longo do estado de calamidade, estipulando que se destinarão, prioritariamente, às despesas com saúde,
educação, assistência social e pagamento de servidores ativos,
inativos e pensionistas. Evidente a natureza extraordinária e,
em consequência, a violação ao artigo 211 § 3º da Constituição
Estadual. Olvidou-se que o art. 43 da LRF condiciona a abertura de créditos suplementares e especiais à existência de
recursos disponíveis para a despesa, precedida de exposição justificada. Mas, constando da exposição de motivos para
decretação da calamidade pública no Município de Itaguaí
que enfrenta grave estado de escassez financeira, evidente ser inviável a abertura de créditos suplementares e especiais. A
única exceção são os créditos extraordinários livres da
exigência legal de haver recursos disponíveis e daí exsurge a
conclusão de que a iniciativa de decretação de estado de calamidade buscava a abertura de créditos extraordinários.
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A decretação de estado de calamidade pública não pode decorrer de crise financeira e que a situação do Município in
casu não se adequa a quaisquer das hipóteses previstas no
artigo 211 § 3º da Constituição do Estado. Note-se que a decretação do estado de calamidade pública, no caso dos
autos, traz como consequência jurídica a autorização para
contratação temporária, com o fim de satisfazer necessidade
temporária de excepcional interesse público, indo de encontro aos artigos 9º § 1º e art. 77, incisos II e XI da Constituição Estadual. Fabricou-se uma situação de
calamidade pública, buscando obter as benesses jurídicas,
violando princípios como legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, interesse coletivo, eficiência e
proporcionalidade que devem obrigatoriamente serem
observados na gestão da Administração Pública em todas as
esferas. Julga-se procedente o pedido trazido na inicial, declarando-se a inconstitucionalidade do decreto nº 4.200 de 09 de janeiro de 2017 e da lei 3.541/ de 05/09/2017 e, por arrastamento, do decreto 4.231 de 27/07/2017 todos do
Município de Itaguaí, ante a violação aos arts. 5º; 6º; 7º; 9º,
§§ 1º e 4º; 74, inciso I e § 1º; 77 caput e incisos II e XI; 211 § 3º; 213 c/c 169 §§ 3º e 4º da Constituição Federal e art. 358,
incisos I e II (CF/88) c/c art. 22, inciso XXVIII (Constituição
Estadual). Declara-se a eficácia ex tunc e efeitos erga omnes .”
Motivos pelos quais, as expressões “financeira” contida no
inciso I e “e realização de campanhas de saúde pública” contida no inciso
II, e dos incisos III, IV, V e VII, todos do § 1º, do artigo 2º, da Lei
Complementar nº 53, de 04 de abril de 2017, do Município de Nova Iguaçu
são incompatíveis com o disposto nos artigos 77, caput, I e XI, da
Constituição Estadual e, de forma reflexa, com o artigo 37, caput, I e XI, da
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E mais, os vencimentos pagos aos servidores, ainda que por
contratação temporária, submete-se à reserva legal. Significa que só a lei,
em sentido formal, pode fixa-los, nos termos do artigo 77, inciso XIII, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro 10 , e do artigo 37, incisos II, IX e
X, da Constituição Federal 11 , aplicado por simetria aos Municípios, na
forma do artigo 345 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro 12 .
O artigo 4º, da lei impugnada, ao possibilitar que o Chefe do Poder Executivo Municipal, mediante decreto, fixe as remunerações e quantitativo de pessoal, para as contratações temporárias, quase lhe dando
um “cheque em branco”, sem controle, em clara violação ao princípio da reserva legal.
O artigo 13 da LC nº 53/2017 ao autorizar ao Chefe do Executivo Municipal abrir os créditos orçamentários necessários à
execução do disposto na lei, afronta o § 3º, do artigo 211, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro 13 ; e o § 3º, do artigo 167, da Constituição da
10 Art. 77 . [....]
XIII - a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos
servidores públicos , observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valores
percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por Deputados Estaduais, Secretários de
Estado e Desembargadores, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie,
pelo Prefeito;
11 Art. 37. [...]
X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão
ser fixados ou alterados por lei específica , observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada
revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela EC 19/1998)
12 Art. 345 - O Município será regido por Lei Orgânica, votada em dois turnos, com o intervalo mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos
os princípios estabelecidos na Constituição da República, nesta Constituição e os seguintes preceitos:
13 Art. 211 - São vedados:
[...]
§ 3º - A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e
urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o processo
legislativo do artigo 167, § 3º, da Constituição da República.
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República 14 , que restringe a abertura de crédito extraordinário, para atender
aS despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra,
comoção interna ou calamidade pública. Neste sentido:
Limites constitucionais à atividade legislativa excepcional do
Poder Executivo na edição de medidas provisórias para
abertura de crédito extraordinário . Interpretação do art. 167,
§ 3º, c/c o art. 62, § 1º, I, d, da Constituição. Além dos requisitos
de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a
abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de
discricionariedade por parte do presidente da República , os
requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem
densificação normativa da Constituição. Os conteúdos
semânticos das expressões “guerra”, “comoção interna” e
“calamidade pública” constituem vetores para a
interpretação/aplicação do art. 167, § 3º, c/c o art. 62, § 1º, I, d,
da Constituição . “Guerra”, “comoção interna” e “ calamidade
pública” são conceitos que representam realidades ou
situações fáticas de extrema gravidade e de consequências
imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias . A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da
MP 405/2007 demonstram que os créditos abertos são
destinados a prover despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência . A edição da MP 405/2007 configurou patente desvirtuamento dos
parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas
provisórias para a abertura de créditos extraordinários.
14 Art. 167 . São vedados:
[...]
§ 3º A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e
urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto
no art. 62.
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[ADI 4.048 MC, rel. min. Gilmar Mendes, j. 14-5-2008, P, DJE
de 22-8-2008.] = ADI 4.049 MC, rel. min. Ayres Britto, j. 5-112008, P, DJE de 8-5-2009
E como já analisado, as hipóteses impugnadas na referida lei
complementar, não se encaixam como calamidade pública, mas despesas
correntes, como por exemplo a realização de obras de saneamento básico,
contenção ou de campanhas de saúde pública.
É patente a incompatibilidade entre as expressões e dispositivos impugnados da Lei Complementar nº 53/2017, do Município de Nova Iguaçu, com as normas dos artigos 77, I; X, XI e XIII; com
as do artigo 211, § 3º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro; artigo 37, inciso X; e artigo 167, § 3º, da Constituição da República.
Diante do exposto, julga-se procedente a Representação
para declarar a inconstitucionalidade, com eficácia ex-tunc, das expressões “financeira” contida no inciso I e “e realização de campanhas de saúde pública” contida no inciso II, e dos incisos III, IV,
V e VII, todos do § 1º, do artigo 2º; artigo 4º e artigo 13, todos da Lei
Complementar nº 53, de 04 de abril de 2017, do Município de Nova Iguaçu, por conflitarem com os preceitos inscritos nos artigos 77,
caput, I; X, XI e XIII; com as do artigo 211, § 3º da Constituição do
Estado do Rio de Janeiro; artigo 37, inciso X; e artigo 167, § 3º, da
Constituição da República.
Rio de Janeiro, 14 setembro de 2020.
Des. Katya Maria de Paula Menezes Monnerat - Relatora